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Guitarras Em Cristo: A Psicodelia católica de Silvio Brito

Foto do escritor: brazilinsoundbrazilinsound

Desde o meu primeiro contato com seu trabalho, reparei que Silvio Brito transitava livremente entre o mundo de um jovem roqueiro (com algumas loucuras características dos anos 70 no Brasil) e entre o mundo espiritual católico. De alguma forma, essas figuras que podem parecer opostas, encontram um refúgio seguro na figura de Silvio. A sua verdade é justamente essa mistura antagônica entre o Louco e o Sagrado. Remontando o início da carreira a partir de seus discos e compactos, desvenda-se uma das produções mais icônicas da música católica nacional. Buscando saber mais “das coisas que aprendi nos discos”, contatei o cantor que, simpaticamente, cedeu uma entrevista exclusiva em Maio de 2020.

Texto por João Boaventura


Para ter a experiência completa, dê o play e leia comigo:



1. O Início da carreira e os primeiros registros fonográficos.


De nascimento, Silvio Brito é conterrâneo de Milton. Nascido em Três Pontas, Minas Gerais, sua família logo se mudaria para a icônica cidade de Varginha, mundialmente conhecida por ser o cenário do clássico incidente ufológico dos anos 1990. Logo ele começaria a sua vida de cantor.


“Na verdade eu comecei cantando em casa e na igreja também, que eu era coroinha, participava daquelas coroações do sagrado coração, do coração de nossa senhora, e naquelas procissões eu sempre cantava música religiosa.”


Em 1958 ele inicia sua carreira profissional cantando no Rádio Clube de Varginha, no programa “Petizada Alegre”.


"Até que, eu era muito fã do Ivon Cury também, dos cantores da época, Mário Lanza, Joselito, Brenda Lee… Paul Anka, Miguel Aceves Mejía, Connie Francis… então eu cantava música de todo mundo… Imitava eles. Comecei com seis anos a cantar na rádio, levado pelo padre Honório Link que percebeu que eu gostava muito de cantar. Ele iniciou um programa na rádio, um programa de crianças, né? E me convidou pra cantar. Eu fui o primeiro a cantar e nunca mais parei de cantar. Fui campeão do programa três anos seguidos. No final do ano tinha um concurso pra ver quem que tinha mais público e eu ganhei três anos seguidos… e nunca mais parei de cantar!”



O início da década de 1960 foi um momento profícuo para a difusão do Rock no Brasil e Silvio não ficou de fora dessa onda. Foi o primeiro indivíduo a possuir uma guitarra elétrica em Varginha, configurando-o como primeiro “alien” da cidade.


“E, a primeira guitarra que foi em Varginha foi a minha… Todo mundo queria conhecer, saber como que era a guitarra, então tem várias histórias dessa época!”


É nesse ambiente de música jovem que surge o seu primeiro trabalho de grupo: Silvio Brito E Os Apaches. Atuando como banda de show e de baile, Os Apaches gravaram em 1968 pela Bemol o seu primeiro Long Play, cujo título é o mesmo de uma composição de Silvio que já traz uma referência bíblica no nome “11º Mandamento”. A capa estampa duas fotos: a de cima são eles em uma pose extravagante no estúdio, que passa a idéia de um grupo anárquico, enquanto a de baixo mostra o mesmo grupo na sala de mixagem com seus integrantes um pouco mais comportados. Essa capa automaticamente me lembra daquele ponto relativo a ambiguidade presente na figura de Silvio e reforça sua imagem de louco e de santo. Botando em perspectiva, essa capa foge um pouco do layout tradicional da época e também se afasta da estética vigente do “todos-aglomerados-olhando-seriamente-para-a-câmera”, cristalizada em figuras como Beatles e Rolling Stones, por exemplo.


Na entrevista, Silvio classifica o repertório desse disco como “Música Popular”, o que faz bastante sentido, afinal a maioria das canções eram sucessos da época, mas o repertório também inclui suas composições “11º Mandamento” e “Sonho De Amor”. Nesse registro, além de guitarra, Silvio também toca órgão e mostra que já compunha desde muito antes de seus trabalhos puramente católicos.

“É, paralelo as musicas que eu cantava, sempre cantei músicas religiosas também… por exemplo “Santa Lucia”… essas músicas que também tinham um conteúdo religioso. Os Apaches eram uma banda de show e de baile. Nós gravamos um primeiro disco em Belo Horizonte só de músicas populares e depois quando eu fui pra Edições Paulinas trabalhar como arranjador e compositor também, eu levava a banda pra gravar comigo. Toda vez que ia gravar em São Paulo eu levava a banda pra gravarem comigo.”



A partir daí, Silvio começa a se projetar como compositor no cenário nacional. Ao receber interpretações de Ronnie Von, Vanusa e Antonio Marcos, seu nome começa a circula nesse reduto de artistas provenientes da música jovem romântica, levemente deslocados do núcleo principal da Jovem Guarda.

2. O encontro com Pe. Zezinho


Ainda no fim dos anos 60, o Padre Zezinho aparece no cenário nacional com sua inovadora abordagem da palavra de Cristo na forma de música e teatro. Sua formidável habilidade de comunicação o projeta rapidamente como expoente da evangelização do público jovem, afinal ele tinha menos de 30 anos em 1970, idade em que até hoje a sociedade pode considerar como “jovem” para um Padre. Acontece que ele havia sido ordenado quatro anos antes nos Estados Unidos [!] e de pronto começa a utilizar essa plataforma multicultural dentro da igreja. Já a carreira fonográfica de Pe. Zezinho se inicia em 1969, no compacto “Canção Da Amizade” com acompanhamento do conjunto Sidney Singers, outro grupo bastante importante dentro da gravadora. Nesse compacto destaco o arranjo da faixa “Você É Meu Irmão”, com um Clavinete pesado guiando o riff principal.



Depois de iniciar na música, o Pe. Zezinho produziu uma série de gravações de seus textos com sonoplastias, gerando um material de difusão da filosofia católica aplicada ao contexto moderno da época. O sucesso não demorou a vir. Seus discos começaram a receber edições em outros países da América e da Europa, inclusive com o Pe. Zezinho cantando em cinco idiomas! Por isso ele abre a década de 70 viajando o Brasil e o Mundo espalhando a mensagem de Cristo, sempre focado em atrair um público jovem, o que certamente era crucial para a manutenção de fiéis da Igreja. Num mundo de guerra fria, ditaduras, abusos de poder e reivindicações de direitos humanos, a tendência de ceticismo ganhava cada vez mais força dentro dos núcleos de adolescentes e adultos.


Na esteira de seus lançamentos, Pe. Zezinho apresenta um compacto crucial nesse seu início de carreira. Ele se uniu ao conjunto pop The Maskers, grupo que aparece em alguns singles da segunda metade dos anos 60 fazendo versões de sucessos do mundo jovem e figurando como banda de apoio de outros artistas, mas que até aqui não tinham ligação prévia com a Igreja. Inclusive, o único compacto que traz na capa uma foto do grupo, mostra quatro rapazes encapuzados, transbordando rebeldia. Essa fusão inusitada gerou o que pode ser um dos registros mais doidos feito pelas Paulinas: o compacto “Prece Universal”. Nele, a canção “Ação De Graças” tem um arranjo totalmente psicodélico, com guitarras solando logo na abertura, posteriormente dando espaço para um órgão hipnótico bem característico do fim dos anos 60. Doidera total! O disquinho todo é ótimo e super recomendado pra quem gosta de Psicodelia e outras maluquices que só o nosso Brasil consegue prover.


The Maskers, Pe. Zezinho e um compacto super psicodélico lançado nos anos 70: Tudo pela juventude!

É nesse contexto que, em uma de suas viagens, Varginha se torna novamente o cenário dessa história. Na sua passagem por lá (entre 1970 e 1971) conheceu Silvio Brito e desse encontro surgiu a mais interessante parceria da música de evangelização no Brasil.


“(…) E o Pe. Zezinho foi fazer uma palestra em Varginha num encontro de Emaús e eu tava trabalhando nesse encontro… Eu que tava tocando Violão. E o padre Valmor Juco [?] que era o vigário da paróquia de Varginha me apresentou ao Pe. Zezinho. Falou: “Olha, tem um rapaz aqui que compõe muito bem, inclusive ele fez uma missa em ritmo de rock e ele toca todos os Domingos na igreja e lota porque a juventude toda vai… Você precisa conhecer o trabalho dele!” E o Pe. Zezinho também tinha começado a carreira dele a muito pouco tempo, né? Tinha gravado acho que só um disco ou dois… Não me lembro. Aí o Pe. Zezinho me conheceu, eu mostrei minhas músicas pra ele e ele ficou assim… Fascinado! Ele me convidou pra ir pra São Paulo com ele no outro dia. Me conheceu num dia e no outro dia me levou pra São Paulo no carro. Durante a viagem, nós fizemos quatro músicas! Fizemos “Estou Pensando Em Deus”, “Muito Prazer, Jesus Cristo”… Eu sei que foram quatro músicas que nós fizemos durante a viagem… E assim, era uma energia danada, um entusiasmo, né? Ele muito entusiasmado em me conhecer e eu também entusiasmado pela oportunidade que ele estava me dando de levar pra trabalhar nas Paulinas como cantor, compositor e arranjador, né? Então foi assim, uma época muito bonita que realmente deu muitos frutos, né?”



Desde esse encontro, a carreira de ambos seria profundamente transformada. O compacto “Muito Prazer, Jesus Cristo” foi lançado no início dos anos 70 e reflete a ousadia na entrada de Silvio Brito e os Apaches para o cast das Edições Paulinas. O texto na contracapa dá conta de ilustrar o entusiasmo do Pe. Zezinho, descrito por Silvio na entrevista, o que reforça o ideário de atrair o público jovem, função principal do Padre nessa época:


Ao soltar a agulha no compacto, você certamente será impactado com a sonoridade da faixa que soa: “Estou De Volta”, é um Funk com todos elementos necessários para caracterizá-lo. A bateria explosiva é um prelúdio do frenesi de novidades que esse compacto traz, apresentando ao público nacional uma abordagem totalmente diferente desse tipo de som.


É importante lembrar que as Edições Paulinas tinham uma boa malha de distribuição de seus produtos. Até hoje é possível encontrar lojas desse grupo espalhadas pelo Brasil inteiro (algumas, inclusive no mesmo endereço que aparece nas capas da época), então fica claro que a Paulinas também representa um avanço na carreira de Silvio Brito, uma vez que foi a partir dela que ele se projeta, não mais como um artista regional, mas como um artista nacional chancelado pelo Pe. Zezinho.

Outro item relevante para a difusão das ideias promovidas nas gravações das Paulinas, é que quase todos - se não, todos - esses compactos vinham com as cifras acompanhadas de partituras das melodias vocais e suas respectivas letras. Em alguns deles encontramos até um anexo com textos sobre como utilizar o compacto para encenação, liturgia ou radiofonização, incluindo um programa a ser seguido.


Rastreando seus compactos, outro que não pode passar de fora dessa análise é um intitulado “Eu Sei Que Não Vou Só”. Com uma foto que remete a juventude novamente, esse é o primeiro compacto onde temos o Pe. Zezinho, Silvio Brito E Os Apaches no mesmo disco. Obviamente essa fusão também não deixaria a desejar e a canção que dá nome ao disco é absurda… Nos mesmos moldes de “Estou De Volta”, mas com um Fuzz endiabrado! O groove dessa faixa me faz lembrar que todo o movimento de incorporação de elementos do Funk e do Soul no Brasil foi projetado por personagens ligados à Jovem Guarda. Esse movimento era bastante comum dentro do ambiente de música popular, mas dentro das igrejas era praticamente inconcebível. Ou seja, é da natureza de Silvio Brito transitar pelo mundo do Groove e pelo mundo da Igreja, e por isso a sua responsabilidade nessa tão peculiar fusão.


O grupo liderado por Silvio ainda gravou outros compactos e participou dos dois primeiros discos de canções do Pe. Zezinho. Em 1972, no primeiro LP "Estou Pensando em Deus”, o padre uniu seus melhores arranjadores: Sidney, Wilma Camargo e Silvio Brito. Aqui, mais do que participar de algumas músicas como arranjador, há uma faixa inteira interpretada pelos Apaches. “Aleluia” é uma composição super psicodélica, com ênfase na guitarra distorcida e na letra de glorificação. Outras maravilhosas canções psicodélicas que você pode ouvir nesse disco são “Esperando A Condução” e “Se Eu Não Te Encontrar”.


Um vídeo do canal oficial de Silvio Brito intitulado apenas como "Silvio Brito E Padre Zezinho" é uma ótima fonte de informação. Em aproximadamente 19 minutos, ambos relembram fatos antigos entre uma canção e outra. Interpretadas de forma intimista, o ponto alto do registro é o dueto de Silvio com cantos de passarinhos assobiados pelo padre. Sobre a importância do encontro dos dois, Zezinho lembra em determinado momento:


Pe. Zezinho: “(...) Pois é... Tudo começou com um disquinho, “Canção Para Meu Deus”, que você veio fazer os arranjos. Você tinha 19 anos e era um cantor de banda, e eu decidi “esse menino tem pinta pra maestro”. E você foi o mastro do meu disco… Meus primeiros dois discos você trabalhou como maestro. Lancei um maestro jovem aos 19 anos de idade e deu certo!”

Silvio: “É, você na verdade foi meu padrinho… Foi a primeira pessoa que me abriu o caminho, que me deu a primeira grande oportunidade de poder vir pra São Paulo, de poder trabalhar, de poder mostrar as minhas músicas, a minha arte, o meu objetivo de vida…”

Pe. Zezinho: “Deus me deu essa graça, de me preocupar de que o jovem fosse protagonista, né? Que ele aparecesse e que ele tivesse seu caminho próprio, seu disco… E desde aquele tempo você faz parte dos mais de cinquenta jovens que, de um modo ou de outro, eu ajudei a caminhar na vida. (...) E eu me sinto muito honrado de introduzir este trabalho do Silvio Brito. Me sinto muito honrado de saber que ele continua o mesmo, cantando as suas ironias, cantando as suas alegrias, cantando a palavra de Deus como pessoa feliz que ele é. É muito, muito bom trabalhar com você, Silvio Brito… O tempo passou, os cabelos se foram e a gente continua o mesmo…


3. “Por Um Amor Maior”


A possibilidade de gravar um LP nos anos 70 era bastante restrita para a maioria dos artistas, apesar da indústria fonográfica brasileira estar em pleno vapor. O caminho tradicional, portanto, era que um artista normalmente lançava uma série de compactos para sondar seu poder de vendagem até chegar ao Long Play. Nas Paulinas não foi diferente, e, devido ao sucesso dos compactos, Silvio Brito E Os Apaches lançam no ano de 1973 o primeiro álbum totalmente católico: “Por Um Amor Maior”. Ao citar o álbum, Silvio aponta o nome da Irmã Maria Nogueira como a principal força incentivadora desse projeto:


(…) E a irmã Maria Nogueira foi fundamental. Ela acreditou e me ajudou demais… Eu sou muito grato a ela, sabe? Eu gravei muitos discos nas Paulinas. É uma pena que as Paulinas não relançaram esses discos, né? Tantos da época dos CDs quanto da época dos LPs e compactos, mas tudo foi um trabalho da Irmã Maria Nogueira, sabe? Ela foi uma pessoa que lançou muita gente.


O disco captura um momento maravilhoso da carreira de Silvio Brito. É notável o seu avanço como artista, compositor e arranjador. A banda toda está bem entrosada e chega em timbres muito interessantes. Em “Por Um Amor Maior” você ouvirá canções cheias de Psicodelia e “Sunshine Pop”, mas tudo com aprovação eclesiástica!

Apesar de o disco todo ser ótimo pra quem gosta dos gêneros citados, há dois destaques no finzinho do LP. A penúltima canção, “Fonte Do Amor” é o ponto mais alto do álbum, sem sombra de dúvidas. Uma introdução lenta e melodiosa confunde quem ouve, afinal ninguém espera que essa mesma música se transforme em um dos Funks mais brabos do Brasil inteiro.


É… Essa “Fonte Do Amor” é uma música que eu também gosto muito… Ela é renovadora, ela é assim… Ela foi uma revolução na época, como musica religiosa. O estilo, né? O arranjo… (…) Mas, foi assim, nem sei te explicar, mas foi assim uma inspiração que eu considero divina.


A canção é tão genial que chamou a atenção do DJ e beatmaker Madlib. Desde que ele incluiu a faixa em sua mixtape de música brasileira, muitos colecionadores e pesquisadores ficaram doidos para descobrir que som era aquele. Mas a mix não creditava nenhuma canção. Os títulos são estados brasileiros. A faixa estava em “Salvador”.

Vou abrir um pequeno parênteses aqui para contar uma história pessoal… Eu fui um desses doidos que correu atrás de descobrir que música era aquela. E se até hoje a internet não deu conta de providenciar metade da produção cultural da humanidade, descobrir aquela canção alguns anos atrás não foi nada fácil. Lembro que havia um post num desses fóruns da rede mundial de computadores que continha o áudio da mix na parte exata da canção que eu também procurava. O nome do post, “Senhor”, era seguido de um pequeno texto em inglês, cujo autor parecia implorar o conhecimento da música.

O link do soundcloud foi excluido. Print de 27 de Março no Reddit.

Apesar disso, eu já havia reconhecido o timbre da voz de Silvio Brito na gravação do Madlib, mas lá a velocidade e afinação foram levemente alteradas no pitch, além de outros efeitos e samples adicionados posteriormente. Portanto, pensei que pudesse ser outro cantor, com um timbre parecido. Certa feita, encontrei o disco “Por Um Amor Maior” e comprei. Ao chegar em casa, passeei pelos primeiros segundos de cada faixa. A estética era parecida com a que procurava, mas nenhuma das canções lembrava aquele Funk cabuloso. Um misto de sentimentos se instalou: era um disco legal de Rock católico, mas não era o que eu - e meio mundo - estava procurando. Resolvi ouvir o disco completo pra realmente curtir. Foi-se o lado A, e perto de acabar o lado B, ao finalizar a introdução da faixa B5, ouço o que eu sempre achei ser o início da canção! Era ela! A bateria, o vocal psicodélico e a gravação tosca eram precisamente da música “Fonte Do Amor”. E assim como o refrão antecipa, fui tomado de uma felicidade única: “Glória Meu Senhor / Que nos enche só de alegria e de amor / E nós que somos o seu povo ele protege / E é por isso que eu canto agora / Glória meu senhor”. Na mesma semana postei a canção no canal do BIS no Youtube e até hoje ela está consolidada como um dos vídeos com mais visualizações de todo o acervo por lá. Fim do parênteses.


Outro ponto importante de ressaltar desse LP, é justamente essa gravação tosca. Silvio também achou relevante falar disso quando o assunto foi esse álbum:


(…) É uma pena que a qualidade do som… A pessoa que ouve tem que levar a consideração o som porque ela é gravada em dois canais! Imagina? Toda aquela instrumentação, tudo gravado em dois canais! Era um trabalho que dava, vocês não imaginam! Tinha que gravar e ir regravando toda hora…


Porém, no meu entendimento e gosto pessoal, é justamente nesse aspecto que mora uma das grandes virtudes do sucesso desse Funk por aí. Esse som bruto evidencia a característica humana dentro da produção musical. O erro discreto, a leve desafinada, a batida imperfeita… Tudo isso dá vida ao som e reforça a idéia de captar um momento único - e que não pode ser repetido da mesma maneira - nem que se queira.

Não bastasse “A Fonte Do Amor”, a última música do disco é outro petardo psicodélico. “Meditação” reserva para esse ponto crucial de um álbum, que é seu encerramento, uma trilha sonora para alcançar o nirvana durante sua oração ou meditação. Sério, Os Apaches não perdem em nada para o Pink Floyd nessa faixa e por muito tempo eles passaram sem nem ser citados como um dos mais importantes grupos psicodélicos do Brasil.


4. A viagem aos EUA e o primeiro sucesso nacional.


Matéria da revista Super Melodias - Ano XX Nº 205 - Nov. 1974

Silvio segue algum tempo trabalhando nas Paulinas, mas logo viaja aos Estados Unidos, onde mora por três meses. Esse período o afasta um pouco da produção e divulgação católica, mas é preciso lembrar e ressaltar a versatilidade intrínseca à Silvio Brito. Ele, que sempre se projetou como um artista popular, agora era um artista de renome, mas ainda vinculado ao contexto da Igreja. Sobre a viagem, Silvio diz:


“Foi muito importante, apesar de eu não ter trabalhado lá como profissional, ter dado algumas canjas em casas noturnas, aliás, casas brasileiras, onde os americanos queriam conhecer um pouco da Bossa Nova. Eu tocava alguma Bossa Nova pra eles, algumas músicas que eram sucesso no Brasil… Mas o mais importante da minha ida aos Estados Unidos foi a experiência que eu ganhei lá. Eu aprendi muito, aprendi demais! E usei tudo aqui quando eu voltei pro Brasil e logo em seguida já comecei a fazer sucesso com “Tá Todo Mundo Louco”, que foi o meu primeiro sucesso nacional, e olha… Eu aprendi tanto, sabe? Posicionamento de palco, maneira de comunicar, dança… As danças que eu usei foram muitos gestos inspirados nos shows que eu assistia lá. Aquela dança do James Brown, de jogar o microfone, abrir as pernas, fechar e pular… Aquilo tudo eu tinha aprendido lá. Foi muito importante porque eu assisti grandes shows, grandes espetáculos lá e que me ensinaram muito.


Como o próprio Silvio contou, voltando ao Brasil ele faz de “Tá Todo Mundo Louco” um sucesso nacional pela gravadora Chantecler. Nessa época, Raul Seixas era um dos líderes de venda da Philips, o que também pressiona comercialmente a gravadora Chantecler a vender Silvio como o “Raul” do seu cast. Muita gente não entendeu e ele é novamente taxado de louco. Apesar disso, o compacto que incluiu seu primeiro sucesso também traz uma composição que remete à mensagem de Jesus. “Quase 2000 Anos Depois” traça um paralelo entre os detratores de Cristo e a sociedade moderna. A ousada abordagem caiu na malha fina da censura, especificamente na parte “Ninguém tem o direito de matar ou morrer por uma fronteira”. Onde se lê “fronteira”, lia-se “bandeira”.


Silvio se esgueirou nas palavras e fez a canção chegar ao público, na consciência de quem sabe que sua mensagem é importante junto à sociedade. Embora algumas pessoas não entendessem a “mudança” de proposta de Silvio Brito, talvez a mais importante delas entendeu. Na mesma conversa junto a Silvio na Rede Vida, o Pe. Zezinho diz:


Depois vieram as suas canções irônicas… Você tinha uma ironia tremenda com “Tá Todo Mundo Louco, Oba!” e o pessoal perguntava: “Como é? O Silvio não é mais católico? Não tá mais cantando com você?” E eu dizia: “Não, ele tá cantando uma coisa séria! Ele tá dizendo que o mundo tá pirado mesmo. Ele está com ironia dizendo coisas que tem que ser ditas… Ele está fazendo política e política séria, chamando a atenção para os desequilíbrios da humanidade e isso também é Evangelho". Então o pessoal achava que nós tínhamos que sair por aí só cantando “Amar como Jesus amou”. E aí você começou fazendo essas canções de cunho político e de ironia e eu comecei a fazer também canções políticas… A censura interferiu, proibiu alguns dos nossos discos e canções e depois com a abertura a gente voltou a fazer o outro trabalho…



Depois de “Tá Todo Mundo Louco”, Silvio consegue projetar cada vez mais seu nome no cenário popular brasileiro. Seus próximos sucessos ressaltam seu ecletismo pungente. Como bom brasileiro que é, ele valoriza a canção sertaneja, romântica, espiritual e roqueira! Silvio Brito é a síntese de uma geração que buscou transmitir mensagens importantes através da metáfora e da ironia, utilizando como meio propagador dessas mensagens a música brasileira. E talvez seja aí mesmo que more a receita do seu sucesso: no Brasil, de “louco” e de “santo”, todo mundo tem um pouco.

 

Dos discos citados, temos:






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